domingo, 27 de abril de 2008

Numa televisão perto de si

- Por mim coloca-se de parte a ideia do António. Não me interpretes mal, mas acho que é muito arriscado. É demasiado diferente.

É só mais uns meses e acaba, pensou António, do alto dos seus 187 centímetros. Desde que chegara à empresa ainda não tinha encontrado o seu espaço, o que acabava por ser natural visto que era um mero licenciado. Definitivamente, não encontrava forma de se impor, nem às suas ideias. Uma após a outra eram categoricamente rejeitadas sempre com o epíteto de diferentes, inovadoras demais, radicais ou fora do contexto, típico de inexperientes, como já lhe tinha feito questão de salientar Bárbara, a directora do departamento. Esta tinha sido a última proposta que apresentara, jurou para si pela alminha da sua avozinha. Doravante anuiria com a cabeça, concordaria com tudo o que lhe dissessem ou propusessem, excepto, claro, as missivas sexuais para encontros escaldantes na arrecadação de limpeza que a secretária do director do departamento financeiro insistia em enviar, apenas com o olhar. O seu namoro tinha perfeito 7 anos há uma semana e António orgulhava-se de nunca ter olhado, se quer, de uma forma mais provocatória para quem quer que fosse. Às vezes, até para a dona do seu coração se esquecia de olhar. Como era possível negarem uma ideia tão brilhante? Acabara o curso com uma média arrebatadora, polvilhada de elogios e mérito, lera tudo o que lhe recomendavam e ainda mais, o seu curriculum vitae, modelo europass, deixava qualquer um insuflado de inveja. Iludido com a perspectiva de trabalhar numa multi-nacional, aceitou este lugar, em detrimento de um outro numa empresa de distribuição. Mas a verdade era demasiado dura para ser…verdade. Seria tão fácil revolucionar a publicidade nesta área…até porque já era tempo de alguém o fazer. Como detesto esta cascavel, desabafou para os seus botões. Desde que ali chegara, Bárbara tinha-se encarregue pessoalmente de lhe infernizar a vida. Afinal ela é que era a Directora do Departamento de Marketing, e não se lembrara de pedir mais um colaborador para a sua equipa. O departamento de recursos humanos deve ter acedido a alguma cunha, só pode. Ainda por cima não sabe estar calado, aqui o chico-esperto, sempre com a mania que sabe, que leu os livros. Eu também li, eu também estudei e acabei o meu curso, há 17 anos atrás, quando era mais difícil. Ainda o ano passado participei numas jornadas, em Praga. Que cidade tão linda…quase nem tive tempo para ver as conferências. Pode saber muito de teoria, mas que sabe de prática? Nunca trabalhou nisto! Se até aqui as minhas fórmulas têm resultado, não vai ser agora que se vai mudar. Muito menos com ideias tão ridículas vindas de alguém tão novo.

- Pois é António, peço imensa desculpa, como lhe disse não é nada pessoa, porém acho que devemos manter a tendência e o padrão de mercado. O cliente já está habituado e gosta assim. Conseguimos passar a mensagem. Desta vez quero mais raparigas vestidas de branco a dançar. Arranjem-me uma música simples e festiva, de um grupo feminino desconhecido. Estou a conseguir visualizar…esperem…é isso! As raparigas vestidas de branco caminham por um vale verdejante ao som da música estúpida ao mesmo tempo que vão construindo uma muralha! Sim…isso…depois começam a surgir, do alto da colina outras raparigas vestidas de vermelho, também elas muito contentes, caminhando em direcção à fortaleza construída! A seguir, passa para um plano delas todas juntas a cantar e a dançar, como se fosse tudo uma grande festa! Ah, e não se esqueçam dos confetis! Queremos que as nossas mulheres sintam como é agradável este período do mês! Que dizem?

Os restantes três elementos presentes na sala acenaram afirmativamente com a cabeça e saíram o mais rápido possível para se rirem de forma alarve.

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